Fechado num pequeno quarto e vigiado o tempo todo por câmeras e microfones, um homem de certa idade busca reconstituir sua memória. Ele não sabe onde está - hospital, prisão, asilo? - e muito menos o que faz ali. Todos os dias, recebe a visita de uma enfermeira que lhe desperta lembranças imprecisas e dolorosas e, mais esporadicamente, de um ex-policial.
Aos poucos, descobre que no passado foi alguém com o poder de enviar pessoas a missões difíceis e perigosas das quais muitas não voltaram com vida. Sobre a escrivaninha do quarto o homem encontra um manuscrito inacabado. É a história de um agente de uma grande potência, numa época indeterminada, que ultrapassa clandestinamente a fronteira entre seu país e as terras bárbaras a fim de investigar uma possível insurreição dos povos independentes.
Uma história ilumina obliquamente a outra, e o protagonista sai de sua letargia ao imaginar uma continuação para o manuscrito. Ao lado do persistente desejo sexual, a fabulação literária parece ser a única força que o mantém vivo.
Desse início intrigante, mero fiapo de história que sugere uma trama de espionagem, Paul Auster torna a surpreender seu leitor, encaminhando-o sutilmente a uma reflexão sobre o ato de escrever ficção. Não por acaso, o nome do protagonista é Blank, que em inglês indica o papel em branco, o espaço vazio, o vácuo a ser preenchido, o alvo a atingir.
Um dos encantos dessa pequena narrativa está justamente no fato de colocar o leitor numa posição análoga a de Blank, que tem que descobrir aos poucos quem é e o que faz naquele local. Saindo um pouco de seu registro habitual, de ambientação realista, urbana e contemporânea, mas sem perder o encanto envolvente de sua prosa, o autor compartilha com o leitor, em Viagens no scriptorium, as agruras e delícias do ofício de inventar e escrever histórias.
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