... E se incendeias meu cérebro,
Então te conduzirei no meu sangue (Rilke)

12 de jul. de 2019

Resenha: O Jardim das Borboletas - Dot Hutchison

Dividido em três partes, que correspondem, de um modo geral, a três dias, O Jardim das Borboletas
acompanha a história narrada por Maya a uma dupla de polícias, ao longo desse período de tempo. A jovem, que inicialmente percebemos ter sido resgatada de um “jardim” onde ela e outras jovens foram mantidas prisioneiras ao longo de vários anos, relata detalhadamente o que tinha sido a sua vida dentro do Jardim, bem como o seu percurso de vida anterior. 

O Jardim onde Maya esteve aprisionada juntamente com cerca de outras 20 jovens era gerido pelo Jardineiro, um psicopata que curiosamente transparece das palavras dela como um homem normal, tirando o facto de manter jovens mulheres em cativeiro, abusar delas sexualmente e, assim que completassem 21 anos, assassiná-las e embalsamá-las, colocando-as depois em exibição num macabro corredor com paredes de vidro, como se elas fossem borboletas cuja beleza devesse ser preservada eternamente. 

 É um livro que aposta claramente no poder de choque para cativar o leitor. Para além do caráter objetivamente macabro da narrativa que é apresentada, a opção da autora em contar a história na primeira pessoa, sempre que o enredo retorna ao passado, empresta-lhe um tom subjetivo que ajuda a enfatizar a estranheza de toda a história. 

 Maya é uma sobrevivente, e isso é bastante notório desde o início do livro. Julgo que a sua caracterização é um dos aspectos mais bem conseguidos da história, porque apesar de ser uma vítima – e de eventualmente o ter sido ao longo de toda a vida – Maya mostra-nos também o seu lado negro e confesso que dei por mim várias vezes a questionar-me se ela não sofreria do Síndrome de Estocolmo. 

 Mas não é só Maya: todas as outras borboletas do Jardim são personagens interessantes por si próprias e as relações que se vão estabelecendo entre elas são outro dos pontos altos do livro. A partir de determinado ponto do livro, torna-se muito difícil abandoná-lo pela vontade em descobrirmos como conseguiu Maya fugir da sua prisão e, ainda que tenha achado que o final deixou um pouco a desejar relativamente a todo o enredo construído, esta foi sem dúvida uma leitura entusiasmante, que se destaca pela forma como a autora consegue equilibrar momentos negros com outros belos e delicados, num livro muito bem escrito. 

É sem dúvida uma autora para continuar a descobrir. 

 Borboletas de verdade poderiam voar, escapar. As Borboletas do Jardineiro só podiam cair, e ainda assim raramente.
Por Bebendo Livros

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